Painéis de Nuno Gonçalves à luz da razão
Desde que reapareceram à atenção do público, no início da década de 1880, os Painéis de S. Vicente de Fora tornaram-se um verdadeiro ícone para os Portugueses, evocando-lhes a Era dos Descobrimentos, de que justamente se orgulham.
A «Questão dos Painéis», assim tem sido designada uma das maiores polémicas culturais portuguesas do século passado, teve a particularidade de atrair personalidades destacadas da cultura, académicos da especialidade, amadores e até charlatães. Por isso mesmo, uma aura reverencial, devido à polémica ter origem numa peça de valor transcendente, mistura-se de forma singular nesta questão com um cepticismo profundo, fruto das peripécias que lhe ficaram associadas, algumas de cunho rocambolesco ou trágico.
O objectivo desta página é tentar ultrapassar esta barreira de cepticismo e fazer chegar de forma transparente ao cidadão português, amante da cultura pátria mas sem o tempo ou a disponibilidade para se embrenhar nas minúcias da «Questão dos Painéis», as novidades científicas que se acumularam na última década no desconhecimento do grande público.
E as novidades contribuirão para valorizar o Políptico de S. Vicente de Fora de sobremaneira:
- A sua datação poderá recuar um quarto de século (de cerca de 1470 para 1445), reforçando-lhe assim o seu estatuto de peça excepcional e inovadora no panorama da Arte Nova que se afirmou na Europa de meados do século XV. Com efeito, no livro Os Painéis de Nuno Gonçalves (Jorge Filipe de Almeida e Maria Manuela Barroso de Albuquerque, Editorial Verbo, 2000 e 2003) foram identificados na bota e no botim de duas figuras em primeiro plano retratadas no Painel do Infante símbolos que são com verosimilhança as iniciais do pintor Nuno Gonçalves e o ano de 1445. A aceitação criteriosa desta leitura permitirá ao políptico passar de obra atribuída a Nuno Gonçalves a obra autógrafa deste pintor português.
Deve ser referido que a análise dendrocronológica à madeira de suporte do políptico, feita em 2001 pelo Professor Peter Klein da Universidade de Hamburgo, a pedido do Instituto Português de Conservação e Restauro, reforçou a plausibilidade da nova datação.
- Facto não menos importante, a data de 1445, anterior em cerca de um quarto de século ao período maioritariamente defendido na historiografia da arte portuguesa, possibilita e aconselha uma reinterpretação iconográfica da pintura, a qual foi empreendida na obra acima citada. Esta nova iconografia, que retoma em parte a tese defendida por José Saraiva em 1925, permite identificar nos principais retratados no políptico os filhos de D. João I, aqueles mesmos que Camões designou de «Ínclita Geração».